segunda-feira, setembro 22

Pedaços de uma viagem

Há um mês atrás não estava aqui, há um mês atrás andava em interrail pela Europa de mochila às costas e havaianas nos pés. Regressei há um mês e desde então, penso como escrever este texto. Fazer um diário de viagem? Escrever apenas umas palavras acerca do que é fazer um interrail ou apenas falar do que vi e vivi? Aviso que não tenho o dom da escrita e por isso não quero maçar ninguém, porque tanto pode sair um texto pequeno, como pode ficar um testamento… O que dizer aos amigos quando se chega de um interrail? Esta grande questão devia vir em manuais tornando tudo muito mais fácil. O que dizer da experiência única que é conhecer a Europa de comboio, dos dias lá vividos, dos minutos que viram horas, do tempo que passa devagar, mas sem queixumes. Das emoções e sentimentos que nos arrebatam a cada segundo e dessa experiência que devia ser vivida por todos. Que vou dizer?

Digo então que não interessa a quantidade de cidades que se vê, nem o número de dias que se passa lá fora (no entanto digo com um certo orgulho que em 22 dias, estive em 18 cidades, algumas só de passagem ou mesmo fugida, mas pelo menos estive lá). Digo também que fazer um interrail é a melhor maneira da mais barata à mais interessante de conhecer a Europa. Comecei pela Europa central: Bruxelas, Roterdão, Amesterdão e Berlim, vistas numa semana. Bruxelas não tem muito para ver, come-se um waffle, vai-se à Grand Place, vê-se a estátua do menino a fazer xixi e pronto. Roterdão, cidade industrial, da torre Euromast, tem-se uma vista magnífica de todo o porto. Amesterdão é a cidade das bicicletas (há 90% de hipóteses de sermos atropelados por uma). Cidade interessante, com uma cultura tão diferente, onde cada museu vale mesmo apena ser visto. Sai-se de lá, com uma sensação de que faltou algo e, queremos lá voltar um dia, e absorver tudo novamente. Berlim, cidade elegante, mas nada acolhedora. Respira 2ª Guerra Mundial. Na 2ª semana, parti para o leste. Comecei na Polónia e fui descendo até ao sul, onde na 3ª semana acabei na Croácia. Da Polónia vim surpreendida, gente simpática, prestável, cidades limpas e apesar de pequenas, interessantes (Varsóvia e Cracóvia). De Auschwitz-Birkenau, sai-se de lá pensativo. O silêncio reina e tenta-se perceber o porquê de muita coisa. Praga, a irmã de Paris. Belíssima, só quem lá passa é que percebe o porquê de ser tão famosa e também o porquê dos checos serem tão estúpidos. Viena, a cidade dos grandes compositores, onde a cortesia e o ser-se correcto fala mais alto, mas falta-lhe algo. Bratislava é o castelo, ponto. Budapeste, é a cidade da noite, de dia é o caos e a mistura do velho com o novo. Já na Croácia, o destino que tanto ansiávamos. Zagreb, pequena, acolhedora, catita. Split, é o cais e os barcos. Hvar, é Hvar! Não consigo ficar indiferente se agora ouço falar desta pequena ilha. É Stari-Grad, a cidade piscatória, de que me apaixonei. Foi a família que nos acolheu, o barco (um pequeno bote de borracha) que alugámos e por um dia, virámos todos capitães e as baías e enseadas “privadas” para grandes mergulhos. Passámos também por Dubrovnik, a irmã de Óbidos, que é bonita e deveras romântica. Daqui estava na altura de regressar, e em 48h viajámos e viajámos senão de comboio. Passagem por Ljubljana (capital da Eslovénia, a cidade dos dragões), onde era noite de festa e, a ela nos juntámos. A Ljubljana fiquei com vontade de regressar e foi com um misto de saudade que vi esta cidade porque Lisboa com muita pena minha estava próxima. Em Veneza entrei com o nascer do sol, o comboio parecia voar sobre a água e gostei das ruelas e pontes. De Milão a grande estação de comboios e o aeroporto. No entanto, esta curta descrição das cidades que visitei, não se compara ao que vi e vivi. Fazer um interrail é para se poupar, dormir em Hosteis (a dividir quarto com mais gente que se conhece com um simples “Olá, muito prazer!”), num aeroporto, nas estações de comboio e viajar de noite. “Assaltar” um compartimento, fazendo dele, nosso estamine, e arranjar uma posição confortável para dormir, enquanto o comboio embala, em direcção ao próximo destino. Os supermercados são os nossos melhores amigos, o pão, a fruta e os iogurtes são a ementa diária, no entanto fazemos questão de comer comida típica, conhecendo mais um pouco de cada cidade. Palmilhamos cidades a pé, andamos à borla em transportes públicos (porque como somos turistas podemos dar-nos ao luxo de tal), não fazemos citytours by bus ou guia turístico porque excede os orçamentos diários e deste modo vemos o que queremos, sem nos preocuparmos se ficou tudo visto. E chega a uma certa altura, que as igrejas e museus passam ao lado, porque destas basta uma foto que recordaremos mais tarde. Passamos então a querer conhecer mais, os habitantes locais, outros viajantes que por lá passam. Aprendi lá fora, que não interessa se é-se tímido, se falamos ou não a mesma língua, ou se conhecemos ou não as pessoas. Aprendi que quando viajamos, não interessam as nacionalidades de cada um, pois somos todos iguais. Viajamos todos ao sabor do comboio com mochila às costas e aprendemos tanto com as experiências uns dos outros. Foi assim que conhecemos Tomik, um rapaz polaco, que gostava de ouvir falar português e do nada começou a puxar conversa. Conhecemos o Bruno, do Porto que viajava sozinho, um interrailer à séria; à conta deste duas senhoras australianas, a Julie e a Betty, que passaram dois dias connosco e a família em Hvar que nos acolheu, onde me senti em casa. E outros tantos mais, que a troco de nada, solicitaram a sua ajuda e foi neste espírito que vivi o meu interrail. E são estas pequenas amizades, que de uma maneira ou doutra me marcaram, provavelmente nunca mais vistas mas que ficarão para sempre na memória, de que nenhuma foto poderia retratar. Lá fora, ouvir falar português é sentir-me em casa e porque quando se viaja entre Bruxelas, Berlim e Viena, sentimo-nos uns extraterrestres. São os olhares que nos lançam por falarmos alto e gesticularmos nos transportes públicos (olhares que quase matam), é o inglês que percebem, mas que estupidamente não falam, é o não serem anfitriões e serem rudes. São as perguntas feitas quase em linguagem gestual, mas que mesmo assim não percebem. É sentirmo-nos frustrados por não nos conseguirmos fazer compreender, e à pala disso tivemos uns momentos caricatos, a senhora do tchaca-tchaca e a besta do checo que atirou as nossas bolachas para o chão. Como explicar, que mesmo ao final de 3 semanas, sempre de um lado para outro, sem muito descansar, não se quer regressar? Não por não se ter saudade do que temos à nossa espera, mas sim porque ainda há tanto para ver e queremos partilhar mais experiências que não queremos que nunca acabem. Não me perguntem qual é a companhia ideal para ir de férias? Às vezes aqueles que menos se conhecem tornam-se a companhia perfeita para partilhar histórias, sorrisos e experiências. E deste modo trago comigo momentos de pura risota e sei que nós os quatros jamais esqueceremos os pequenos episódios que vivemos longe de casa. Um interrailer vê tudo de um modo diferente de um simples turista, o tempo é limitado e a nossa vista tenta captar ao máximo tudo o que há para ver, guardando as imagens numa caixinha no nosso cérebro que de lá, já não saem. O que realmente dizer então aos nossos amigos quando vimos de interrail? Como transmitir tudo o que se vive durante 22 dias, os pequenos episódios que recordaremos para sempre com um sorriso estampado no rosto? Citando Miguel Sousa Tavares digo: "Declaro que vi coisas extraordinárias, de que nenhuma fotografia poderia dar testemunho real." (in Sul)

3 comentários:

Rolinho disse...

Finalmente...o post! Muito bem...(inveja inveja) e uma fotozinha, não há?? Fico à espera... Beijocas

Maria Cereja disse...

Engraçado...já mtas pessoas me perguntaram "Como foi o interrail?" e a resposta q me sai é sempre a mesma "Foi bom!". É estranho tentar descrever 22 dias q foram só nossos a alguem que nunca viajou durante 22 dias consecutivos. Aquilo a q achámos piada, só nós achamos na altura, aquilo q vimos e vivenciámos não é transmissivel por palavras...talvez por fotografias, mas nunca explicável na totalidade. Hoje olho para trás e em cada foto sei o q estava a sentir na altura, mas por muito q tente explicar ninguém vai perceber totalmente. Acho q ng percebe o nosso ataque de riso qd nos atiram umas bolachas q queremos desesperadamente comer para o meio do supermercado, o nosso panico qd um determinado comboio se parte ao meio e nos estamos na parte errada ou mesmo a paz q se sente numa baia só nossa em Hvar! É dificil explicar, mas mt bom de viver. Vamos a outro? :)

JP disse...

Finalmente! O vídeo diz (diz-nos!) tudo...

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