domingo, dezembro 21

Recordações Parisienses

Morava mesmo no centro, num prédio de 3 andares e vivia nas águas furtadas. O apartamento era pequeno e a decoração era moderna mas com apontamentos antigos. A minha companhia diária era o meu gato Julien. Das tantas janelas da minha casa tinha vista sobre a colina de Montmartre e sobre a Torre Eiffel. Estas eram quase sempre a minha inspiração nas telas. Enquanto pintava tinha por hábito ouvir música clássica que passava na grafonola deixada pelo meu falecido avô. Julien era o maior crítico das minhas obras!
Era professora de pintura e desenho na escola de Belas-artes de Paris, fotógrafa em part-time e de vez em quando ajudava a minha mãe na "Chez Constance", uma das mais requintadas croissanterie- chocolaterie da cidade! Durante aquela horas passadas no café, divertia-me a observar os vários tipos de clientes. Havia as viúvas que tiravam do baú as suas melhores roupas e jóias e na hora do chá da tarde, lançavam timidamente olhares aos vários cavalheiros que passavam. Lembro-me das crianças que lambuzavam com os dedos a montra dos chocolates e obrigavam os pais a comprar-lhes um bombom! Havia os jovens namorados que passavam horas e horas a trocar palavras cheias de mel! Havia o empresário que entrava para tomar um café sempre muito apressado. Dos casais, havia os com filhos, a família sentava-se toda à mesa e durante o lanche da tarde, os pequenos teriam que obedecer às regras de etiqueta e saber estar impostas pelos pais; depois os casais sem filhos, sentavam-se tranquilamente para o café, ele com o jornal, ela com a revista da moda e durante horas ali estavam sem falar, sem olharem um para o outro, o casamento resumia-se à rotina da companhia um do outro e à troca de monossílabos. E depois havia os reformados, velhotes com tempo para tudo e com quem eu gostava nas horas mortas do café, sentar-me a jogar xadrez, damas ou cartas e ou partilhar um copo de vinho.
O meu pai era dono de uma frutaria, as frutas mais frescas da cidade, segundo diziam as donas de casa e apesar das fracas colheitas que havia, nunca faltava alimento nas caixas da loja.
Apesar de um casamento feito por conveniência, os meus pais eram um casal feliz, aprenderam a gostar um do outro ao longo dos anos e, segundo eles, o respeito e a confiança eram a base de um casamento sólido. O amor vinha depois com o passar dos anos e isso para aqueles tempos bastava. Nos almoços de domingo, com a família toda junta, éramos uma família bastante unida e feliz.
Apesar de as aulas ocuparem grande parte do meu tempo, à noite dava um saltinho à escola de dança e passava umas horas entre tangos, rumbas e salsas. Havia ainda os cafés com os amigos, o cinema com os filmes americanos, as horas de leitura no parque, as viagens ao Norte, as noites boémias, os piqueniques na Primavera, as viagens com as amigas no Verão para a Região de Provence no meu pequeno Fiat 500 e à vinda passávamos uns dias na costa, nas belas praias de Cannes.
A nível de amores tinha vários pretendentes que minha família me impingia, mas aos quais não fazia caso. Havia Pierre, amigo dos tempos de escola, fotógrafo profissional, éramos como água e azeite, ora estávamos bem ou à chapada, no entanto não prescindíamos da companhia um do outro. Ele ia tendo os seus affairs e eu os meus namoricos, mas sabíamos que quando fosse para valer, quando realmente decidíssemos por o orgulho de lado, o amor que tanto se fala e pouco se vê, vencia e acabaríamos lado a lado, cheios de rugas e netos, com todo o tempo do mundo.
Acho que noutra reencarnação fui francesa e morava em Paris!

3 comentários:

TiAgO! disse...

Que maçada com França!Qual Linda de Suza!

Gosto mais da Lili da Amadora

Rolinho disse...

hm..
e que tal viveres numas águas-furtadas na Graça, com vista para o Rio Tejo. O teu apartamento seria antigo, com uma lareira de azulejo do séc. XVIII mas decorado ao teu estilo especial. Terias um gato cinzento chamado Tobias, muito caprichoso. Darias aulas no IADE ou na ESBAL e por isso deslocavas te de eléctrico. O Sr. Cruz, o condutor do eléctrico, conhecia-te à légua, bem como a D. Gertrudes, a tua vizinha de baixo que em tempos foi costureira. Na altura dos Santos, oferecia-te sempre um manjerico enorme! (pelo Santo António, menina). Nos fins-de-semana ias à Baixa com as tuas amigas, ou metias toda a gente na tua 4L e fazias uma escapadinha ao Gerês ou à Costa Vicentina. O teu pai era dos últimos barbeiros em Alfama.Tu gostavas de ir à Barbearia e ouvir os que os senhores e os rapazolas discutiam: desde política, passando por moda e socialismo a futebol. A tua mãe era florista no Mercado da Ribeira. Tu por vezes ajudavas a fazer arranjos e a escolher as flores. Mas na realidade tu... compravas tudo no Mercado Biológico do Jardim da Estrela!
O teu melhor amigo chamava-se Vicente (ou António) e tinha um estúdio de design no Bairro Alto... Encontravam-se para tomar café no Príncipe Real e aí entre degustação e conversa, algo mais acontecia...

JP disse...

Eh pá! Gostei muito da descrição, e como amo Paris (até já tenho bilhete para lhe ir fazer ma visitinha em Fevereiro), ainda mais sugestivo foi!

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